Me criei numa cidade muito pequena, no interior do Rio Grande dos Sul numa época em que se produzia em casa a maior parte das coisas que se comia: legumes, frutas, grãos, folhas, frango e porco. Foi bem antes da mecanização da agricultura e da introdução da cultura da soja. Dia de matar porco era uma festa, não só para as crianças, mas para os adultos também. Quando uma família matava porco distribuía carne para os vizinhos. Era uma forma de retribuição, muitas vezes da carne recebida quando o vizinho havia matado porco, ou então de algum outro presente. Mais tarde fui descobrir que era disto que Mauss falava quando se referia a dádiva e seu circuito: dar, receber, retribuir. A obrigação e a reciprocidade, reforçando o laço social entre vizinhos, na troca de um pedaço de carne. Mas pra mim criança, o mais importante era quando íamos provar a carne do salame, pra saber se estava bem temperada. Meu tio Francisco era sempre o responsável pelo tempero. A prova consistia em embrulhar uma bola de carne em várias camadas de papel de embrulho e jogá-la nas brasas do fogo que derretia a banha. Depois de assada a carne era dividida entre todos que participavam das atividades que envolvia a carneação, como chamávamos. Se o tempero estivesse bom fazia-se o salame. Esta receita é uma releitura desse processo de provar o tempero do salame.
Carne de pernil com um pouco de gordura picada bem fina.
Sal
Alho (pouquíssimo)
Pimenta do reino
Misture tudo muito bem e deixe a carne repousar no tempero pelo menos uma hora. Enquanto isso acenda o fogo da churrasqueira. Quando a churrasqueira estiver quente, faça uma bola com a carne e amasse deixando-a com uma espessura de uns 2 centímetros. Coloque numa grelha de assar peixe (aquelas duplas de modo que a carne possa ser virada sem cair) e ponha a carne para assar. Asse de um lado, e quando estiver dourado vire e asse do outro. Tá pronta sua prova de salame, simples e maravilhosa.
Matar porco mobilizava uma rede de vizinhos e amigos. Uns ajudavam a pelar o porco, outros preparavam a mistura para morcilha e o codeguim; outros limpavam os pés do porco para o feijão. Meu tio cuidava da carne para o salame e para a copa. A criançada curtia isso tudo como se fosse uma festa. Lembro muito bem que em 62, quando o Brasil se classificava para a final da Copa do Mundo no Chile, a carneação foi acompanhada do som do rádio com o jogo e os foguetes pela vitória. Tinha festa melhor para um menino do interior, para quem o mundo pareceria acabar a 200 metros de casa, depois da ponte do rio?